Friday, December 17, 2004

O fim do voto secreto...para os políticos

Estamos há poucos passos de uma possível grande mudança no processo político brasileiro (o mesmo que realoca boa parte da riqueza produzida no país). Trata-se do fim do voto secreto para representantes de assembléias legislativas, municipais, a câmara federal e o senado.

Veja bem. O voto para o candidato a presidente, deputado ou vereador continua sendo secreto. Aliás, uma história do voto secreto, sob a ótica da Escolha Pública, encontra-se neste texto (em PDF) de Anderson & Tollison.

Há um paradoxo curioso nesta proposta dos políticos. Eles dizem que o fim do voto secreto deverá ser bom para os cidadãos, mesmo que custe caro a alguns políticos que não poderão mais "esconder" suas preferências. Onde está o paradoxo? Ora, se políticos são interessados nos próprios lucros, por que tentariam se prejudicar?

Eis uma boa questão de Escolha Pública.

Em primeiro lugar, o voto declarado não torna os políticos menos desonestos. Pense no que foi a votação do impeachment do ex-presidente Collor. Como eram as regras do jogo? O voto era declarado e sequencial. Se você tivesse um certo percentual, então o presidente estaria preservado ou fora. Imagine que isto dê uns 100 votos. Qual o incentivo do 101o político de ir contra a maré? Nenhum. O voto declarado, portanto, não é a solução que os seus proponentes dizem ser.

Se você tem votação estratégica (ou "oportunismo"), também não existe nenhum efeito do voto declarado aumentando o bem-estar social. Pense no seguinte exemplo: existem três políticos, Huguinho, Zezinho e Luizinho. Imagine que os três sejam diferentes no que diz respeito a dois projetos em votação: "escola na cidade (vamos chamar este projeto de E)" e "prisão na cidade" (este será P). Imagine que podemos dar valor ao que cada um deles pensa sobre estes dois projetos. Assim,

a) Huguinho: E = R$ -400.00, P = - R$ 400.00
b) Zezinho: E = R$ + 200.00, P = - R$ 100.00
c) Luizinho: E = R$ - 100.00, P = R$ + 200.00.

A soma dos valores de E é negativa, bem como a dos valores de P. Somando ambos, vemos que os eleitores representados pelos três políticos não irão desejar nem E, nem P. Veja, estou supondo que são todos honestos (e vou mostrar, mesmo assim, que o voto declarado não resolve o problema).

Seja a regra de maioria simples e votação de cada projeto por vez. Na votação de E, Zezinho perde o mesmo ocorrendo com P e Luizinho.

Estes dois percebem que podem se comportar "oportunistamente". Zezinho e Luizinho percebem que, mentindo sobre suas preferências, conseguem, na votação sequencial, garantir a aprovação de ambos os projetos. Socialmente, isto pode se traduzir num aumento dos gastos públicos de forma ineficiente (as somas para E e para P, ambas, são negativas, lembra-se?).

Novamente, o voto declarado não alterou o problema da má alocação de recursos. Então, você pode perguntar: "Por que a proposta destes políticos se ela pode até torná-los mais mentirosos?"

Se você observar a notícia que está num dos links acima deste post, verá que: "Na Câmara dos Deputados, pelo Regimento Interno, o voto secreto é utilizado em três situações: apreciação da perda de mandato parlamentar e da suspensão das imunidades constitucionais; e na eleição do presidente da Casa e dos demais integrantes da Mesa Diretora".

Lembrando do post inaugural deste blog, nossos políticos são percebidos como bem desonestos. Suponha que existam muitos deles. Não tantos, mas muitos. Uma votação de "impeachment" seria, com o voto declarado, bem mais delicada para alguns membros da Câmara. Veja. não é como no caso do presidente da república. Com a visibilidade pública menor, um voto declarado é mais passível de vingança do político cujo mandato está sendo questionado.

Claro, alguém poderia dizer que a proposta é boa pois diminui a assimetria de informação entre políticos e eleitores. Mas, será mesmo? No exemplo de Huguinho, Zezinho e Luizinho, o voto declarado, inclusive, mascarou as reais preferências de dois destes políticos.

Fica ao leitor o convite: há um bom argumento teórico para esta proposta que não envolva ter de supor que os políticos que a propõe são anjos altruístas?

0 Comments:

Post a Comment

<< Home

eXTReMe Tracker