Sunday, January 30, 2005

O verdadeiro problema da política monetária é a forma como encara a política fiscal

Alguns críticos dizem que o problema da política monetária é a independência do Banco Central. Estão errados. Outros dizem que se deveria aumentar o número de membros. Estão errados também. E alguns poucos dizem que o problema é o gasto público, mesmo que seja este um problema de difícil solução. Estão parcialmente certos.

Neste - longo - artigo argumento que o problema consiste na visão que o Banco Central transmite à sociedade sobre o que pensa de sua irmã gêmea: a autoridade fiscal.

Entende-se que a inflação é um elemento que distorce e prejudica a tomada de decisão dos agentes econômicos e que seu controle é desejável. Entretanto, a tarefa do setor público como um todo, dizem, consiste não apenas no combate à inflação mas também na criação de condições adequadas ao funcionamento dos mercados. Neste sentido, não se pode pensar que aumentos sucessivos da meta de juros gerem automaticamente queda da inflação. Por que?

i. Aumentos de juros podem ter dois efeitos na economia. Alguns grupos lucram e outros arcam com prejuízos quando isto ocorre, simplesmente por serem credores ou devedores de títulos que rendem juros. Juros altos e inflação baixa geram ganhos reais para os credores, mas não para os devedores. Neste sentido, a própria dívida pública tem seu montante a pagar aumentado a cada acréscimo dos juros. Como o indicador relevante para os analistas é a razão dívida/PIB, a única forma de se obter redução da mesma é se o PIB crescer mais do que cresce a dívida. Isto nos leva ao segundo argumento deste artigo: como os juros afetam o lado real da economia, ou seja, o PIB?

ii. Uma alta taxa de juros real – que é a taxa de juros nominal descontada da taxa de inflação – gera aumento de custos para os tomadores de empréstimos que pretendem investir em capital físico, condição básica para a ampliação da capacidade produtiva. Esta, por sua vez, permite ao empresário ter maior margem para ofertar produtos sem significativos aumentos de custos. Altos juros, portanto, significam menos investimentos e, portanto, menos crescimento econômico.

iii. Claro que se deve ter cuidado ao se tratar os mercados de forma tão homogênea. Estruturas de mercado distintas – em termos de competição – geram pressões sobre os preços distintas. Assim, têm razão, por outro lado, os analistas que apontam para a possibilidade de que alguns setores da economia operem com alta capacidade instalada mas também com margens de lucros elevadas. A “cartelização” é normalmente combatida através do uso de agências reguladoras como o CADE, ANATEL, ANEEL, etc. Neste quesito, o governo atual também não tem se mostrado um bom entendedor da lógica do mercado, tendo, nos últimos meses, utilizado as agências como repositório de políticos derrotados nas eleições. Assim, um elemento adicional de contenção inflacionária que seria garantido pela correta operação destas agências se vê prejudicado. Some-se a isto o fato de que boa parte das pressões sobre o núcleo de inflação – para cima – têm sido observadas sobre os preços administrados, justamente os que mais necessitam de supervisão destas agências, ora debilitadas.

iv. Há ainda um último instrumento importante na busca do crescimento sem inflação – que chamaremos de crescimento verdadeiramente sustentável – o próprio esforço do governo em se ajustar e diminuir sua necessidade de endividamento. É possível que o governo tenha este papel complementar ao setor privado? Sim. Basta que diminua seu deficit Isto pode ser feito de duas formas básicas: corte de gastos (preferencialmente privilegiando a qualidade dos serviços públicos) e aumentos de receita tributária. No primeiro caso, como se sabe, há a necessidade de certa vontade política, algo que o governo atual não parece ter pela sua própria base de apoio histórica (sindicatos de funcionários públicos).

Uma saída é tentar arranjos como as PPP (Parcerias Público-Privadas) que transferem para o setor privado responsabilidades públicas. Mas este tipo de instrumento necessita de uma regulamentação cuidadosa para não gerar efeitos indesejáveis para a sociedade. Isto pode ser obtido através de boa regulamentação algo que infelizmente não devemos ter, dado o ponto anterior. Outra saída é privatizar mas, para tanto, é necessário se ter vontade política (o que já criticamos) ou mesmo ter ativos para tanto (o que não parece ser o caso atualmente). Finalmente, o aumento da carga tributária implica em manter um Estado, independente de sua eficiência em complementar a atividade privada (pode inclusive ser um fator prejudicial à mesma), sacrificando recursos privados. A qualidade dos serviços públicos e as ações sociais do governo atual (fracasso de programas como o Fome Zero ou o Primeiro Emprego) não o autorizam a se justificar perante os contribuintes com aumentos adicionais da carga tributária que empobrecem tanto os empresários quanto os consumidores.

Os quatro itens acima provavelmente são suficientes para convencer o leitor da inadequação da política atual do governo. Tomando-se especificamente o caso da política monetária, temos que a inflação não cederá a partir de determinado ponto dada a rigidez dos gastos e do endividamento público e o total descuido com os preços livres em setores cartelizados aliado às pressões altistas dos preços administrados (cujo responsável é, em última instância, o próprio governo).

O mais difícil, contudo, é um último item que talvez permeie todos os quatro itens acima. Trata-se da visão que o governo tem de si mesmo. Se o leitor analisar as últimas atas do COPOM - verá que a autoridade monetária trata a autoridade fiscal, de maneira bastante generosa. Não se examina os diferentes efeitos que uma política fiscal conduzida por cortes de gastos comparada a uma gerada por aumentos de carga tributária possuem sobre a economia. Há apenas a menção a um indicador, o superávit primário. Reproduzo abaixo as menções do COPOM ao complexo fenômeno fiscal, reduzido a mero indicador nas últimas três atas.

Ata 104a reuniao

11. Em relação à política fiscal, supõe-se o cumprimento da meta de superávit primário de 4,25% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2005 e 2006. São mantidas as demais hipóteses consideradas na reunião anterior.

Ata 103a reuniao

12. Em relação à política fiscal, supõe-se o cumprimento da meta de superávit primário de 4,5% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2004 e de 4,25% nos próximos dois anos. São mantidas as demais hipóteses consideradas na reunião anterior.

Ata 102a reuniao

11. Em relação à política fiscal, supõe-se o cumprimento da meta de superávit primário de 4,5% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2004 e de 4,25% nos próximos dois anos. São mantidas as demais hipóteses consideradas na reunião anterior.

O leitor que acompanha as atas sabe que as mesmas prezam por uma abrangência analítica impressionante (sem ironias): há indicadores para todos os gostos, desde diversos índices de preços passando por indicadores de produção industrial, índices de expectativas e, claro, o preço do petróleo. Mas não se lê nada sobre a diferença de um ajuste fiscal feito através de cortes de gastos e aumentos de impostos.

Não se trata – de forma alguma – de exigir dos membros do COPOM opiniões decididas e firmes sobre, digamos, (a) o adiamento do pagamento aos fornecedores promovido por muitos gestores públicos irresponsáveis ou (b) a contratação de funcionários para cargos de confiança.

Claro, não é mistério para ninguém que cortes de gastos públicos são difíceis e exigem vontade política. Mas, da mesma forma, nomear políticos para agências reguladoras ou enviar projetos de PPP também exigem vontade política. Conclusão: falta a alguém boa vontade política no que se refere a um ajuste efetivo de gastos públicos.

Este me parece o principal problema das atas do COPOM: reduzir o ajuste fiscal a um número que pode ser conseguido com uma elevada carga tributária ou um elevado corte de gastos, como se os mesmos tivessem o mesmo efeito sobre a sociedade..

O leitor que me acompanhou até aqui já deve estar adivinhando o que vou dizer: falta a percepção de que a maneira como se faz o ajuste fiscal é um incentivo. E incentivos errados levam a consequências ruins. A teimosia em não enfrentar a luta pelo corte de gastos prezando sua eficiência em prol de interesses específicos pode ter consequências danosas para a economia. Aqueles que criticam George W. Bush por aumentar o tamanho do Estado com gastos militares aprenderiam um pouco mais se prestassem mais atenção ao que acontece no Brasil atual. A realidade, eu garanto, não é tão rósea quanto o marketing oficial pinta.


(*) Agradeço a Gilson Geraldino da Silva Jr. por seus comentários.

1 Comments:

Anonymous Anonymous said...

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Carlos Duarte.

10:14 AM  

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