Sunday, March 27, 2005

A MP 232 como lição de Escolha Pública

A reação contra a MP 232 é, sem dúvida, um dos maiores acontecimentos do Brasil no início deste século XXI. Acima de tudo, é um exemplo didático esplêndido para os que ensinam Escolha Pública (Public Choice) no Brasil. De alguns anos para cá, livros em português sobre o assunto - antes escassos - ocuparam um espaço maior das prateleiras das boas livrarias. O pioneiro Jorge Vianna Monteiro, professor de Economia da PUC-RJ lançou três livros interessantes sobre o tema nos anos recentes, sempre aplicando os conceitos de Escolha Pública à realidade brasileira. O manual introdutório de William Michell e Randy Simmons - talvez um dos mais críticos do governo na literatura - foi lançado em 2003 e, neste ano, temos mais um pequeno livro de Tullock, Seldon e Brady, lançado pelo Instituto Liberal do Rio de Janeiro.

A Escolha Pública preenche um espaço teórico importante da Ciência Econômica e surgiu da necessidade de se entender as consequências nem sempre intencionais e nem sempre benéficas que a mão visível do Estado provoca ao tentar alterar as ações da mão invisível do mercado. A percepção de que nem sempre as políticas públicas corrigem as falhas de mercado, senão piorando-as, é a essência dos estudos de Escolha Pública.

E a MP 232? A MP 232 mostra como a Escolha Pública prevê bem alguns comportamentos dos atores políticos. Vejamos alguns itens.

Primeiro, a MP232 ilustra como políticas governamentais podem ser propostas sem qualquer vinculação com os interesses dos eleitores. A maneira pela qual o aumento da carga sobre prestadores de serviços foi feita surpreendeu o próprio Congresso, que esperava uma MP que tratasse apenas da revisão das faixas de imposto de renda (IR). Como prevê a Escolha Pública, políticos buscam apresentar políticas em formato de pacotes e com discursos preferencialmente emotivos e genéricos (o "interesse social", "interesse nacional", etc). Bom exemplo disto são as faixas de IR e aumento de cargas para prestadores de serviços (dentre outros) numa única medida provisória. A arrecadação? Bem, ela serve ao "interessse nacional" de se obter o superávit primário...

Segundo, políticos e burocratas sabem que eleitores brasileiros possuem noção pouco clara de quanto pagam de impostos, contribuições, etc (vamos chamá-los a todos de tributos, para efeitos didáticos). Em Escolha Pública isso se chama complexidade tributária. Esta complexidade dificulta a percepção de quanto se paga, efetivamente, ao governo, em troca de seus serviços. E, mais ainda, quanto maior a base tributária, menos cada um precisa contribuir para um determinado nível de receita tributária, o que só dilui a percepção citada. Isto diminui o custo de se propor uma MP como a 232.

Terceiro, e em conexão com o último item, a desinformação dos cidadãos é a base para que políticos exerçam sua miopia entre as distintas consequências de políticas públicas no curto e no longo prazos. Como isto ocorre? Em democracias, políticos sobrevive sob duas dimensões: sua base eleitoral e seu mandato. Se é impopular cortar gastos, um déficit zerado só será obtido sob aumento de impostos e/ou endividamento. Em termos de mandato, no Brasil, temos quatro anos. Um deputado como o deste exemplo, mesmo sabendo que no longo prazo um aumento de alíquota de imposto pode colocar a economia numa trajetória explosiva, caracterizada por uma crescente evasão fiscal, prefere aumentar a alíquota pensando apenas no curto prazo, digamos, de dois anos (próximos a um ano eleitoral). Isto explica porque políticas ineficientes podem, sim, ganhar corpo e serem aprovadas democraticamente.

Quarto, burocratas nem sempre são altruístas. Eles buscam obter o maior orçamento possível para suas agências, secretarias, etc, dado que os custos sejam cobertos pelas receitas. Em resumo: mesmo orçamentos do tipo "déficit zero" podem ser ineficientes economicamente. Istor porque o tamanho do orçamento não segue a lógica econômica, mas sim a política. Logo, pode-se ter um Estado gigantesco, mas totalmente financiado com, digamos, 100% da renda privada. Obviamente, há casos menos radicais. As queixas dos burocratas quanto à perda de receitas que alterações sobre a MP232 acarretariam ao governo ilustram este ponto.

Quinto, a diluição do aumento de impostos sobre um genérico "prestador de serviços" mostra que o governo age conforme descreve a Escolha Pública. Sabe-se que existem diversas categorias profissionais sob este rótulo. Logo, a capacidade de organização de todos estes contribuintes é muito difícil. Existem custos de se reunir, organizar e manter compromissos com tantos atores envolvidos. São os chamados custos de transação políticos. Daí a surpresa do governo com a reação maciça de todos os "prestadores".

O que o governo não percebeu - e daí a surpresa - é que indivíduos reagem às políticas. Embora os cinco pontos acima sejam corretos, eles não são verdades absolutas. A concorrência natural de uma democracia pode dotar os eleitores de meios mais baratos para acesso a informações que lhe esclareçam os conteúdos de projetos de leis ou de MPs que lhes são danosas. Daí a necessidade de que ONGs ou outros órgãos - como a imprensa - não sejam atrelados a conselhos governamentais de tom autoritário ou à censura pura e simples. Em um país no qual cidadãos temem pela livre expressão de suas idéias ou no qual o governo busca controlar as informações não é um país com ambiente institucional adequado ao desenvolvimento econômico.

Enfim, se você nunca leu sobre Escolha Pública, eis aí seis motivos para começar a se inteirar sobre o assunto. Divirta-se!

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