Wednesday, March 30, 2005

Aula de Escolha Pública

Políticas de benefícios concentrados e custos dispersos têm um problema inerente: a indefinição dos direitos de propriedade. Quem é o responsável por seu fracasso? A parcela que fica com os benefícios ou aquela que arca com os custos?

A MP232 é um bom exemplo disto. Ontem, no O Globo, dizia o presidente da CUT (quem diria, afinada com o governo):

BRASÍLIA - O presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT), Luiz Marinho, disse nesta terça-feira ter sido surpreendido com a notícia de que o limite de isenção da tabela do imposto de renda voltará aos R$ 1.058 do ano passado e afirmou que a CUT vai dialogar com o presidente da Câmara, Severino Cavalcanti, e com as demais lideranças do Congresso para restituir a correção. Segundo ele, não faz sentido o Congresso rejeitar um beneficio dos trabalhadores.

Marinho disse ainda que amanhã a diretoria da CUT vai discutir o assunto e, entre as estratégias, deverá estar incluída uma vinda a Brasília para pressionar o Congresso a reconstituir a tabela. Segundo ele, a responsabilidade pela correção do imposto de renda passa agora a ser do congresso.

- Deixa de ser uma responsabilidade do governo para ser responsabilidade do Congresso - afirmou Marinho.


Ou seja, a estratégia é típica de manuais de Escolha Pública: os políticos tentam juntar medidas diferentes (bastante diferentes) em um único projeto. Você tem uma promessa antiga do governo de facilitar a vida da população como um todo através da alteração do limite de isenção do IR junto a uma esperta difusao de custos entre os "prestadores de serviços" (categoria de difícil capacidade de mobilização, já que abrange diversos profissionais de áreas distintas). Se a medida é rejeitada, há o benefício dos prestadores, que escaparam de um aumento de servidão (dias de trabalho que, se convertidos em reais, dão-nos o quanto trabalhamos para o governo, involuntariamente) e também há o custo de toda a sociedade, com a não-alteração do limite de isenção do IR.

O que o Executivo (diria eu, ironicamente: filiado a CUT) faz agora? Tenta jogar a culpa da não-aprovação de seu pacote no Congresso. Esta é uma posição que já foi percebida, inclusive, pelo IBPT (Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário), um dos responsáveis pela formidável mobilização dos prestadores contra a MP 232 (vide www.mp232.com.br). Disse Gilberto Luiz, desta entidade:

"Como o governo não estava conseguindo aprovar a MP 232 no Congresso, resolveu transferir a culpa da não correção da tabela de IR para a sociedade", avaliou Amaral. Com a desistência de aprovar a medida, o limite de isenção do IR cai dos atuais R$ 1.164 para R$ 1.058 – o mesmo do ano passado.

A tabela – que está congelada desde 1996 – sofreu uma correção de 17,5% em 2002. Essa correção, porém, foi insuficiente para zerar as perdas acumuladas em todo o período em que ficou estagnada. Estima-se, segundo ele, que a tabela de IR precisaria ser corrigida em no mínimo 56%.


Não deixa de ser de um cinismo berrante.

A culpa, agora, é de quem lutou contra a MP232 legalmente, pressionando o Congresso de forma similar ao que fazem CUT e associados.

A pergunta irresistível é: se fosse através de medida provisória, seria mais legítimo? E a resposta que viria do pessoal da "ética na política" e "um outro mundo é possível" seria: "só se o presidente for de esquerda".

Conclusão pessimista: a escolha pública nunca mereceu ser tão bem estudada neste país. Não apenas pelas sugestões que se pode tirar dela para se melhorar algo neste país, mas pela difusão de exemplos de comportamentos racionais, auto-interessados que os políticos e grupos de interesse mostram.

Alguém uma vez me perguntou: é o Brasil uma sociedade rent-seeking? A resposta, agora, é mais do que óbvia...

Sunday, March 27, 2005

A MP 232 como lição de Escolha Pública

A reação contra a MP 232 é, sem dúvida, um dos maiores acontecimentos do Brasil no início deste século XXI. Acima de tudo, é um exemplo didático esplêndido para os que ensinam Escolha Pública (Public Choice) no Brasil. De alguns anos para cá, livros em português sobre o assunto - antes escassos - ocuparam um espaço maior das prateleiras das boas livrarias. O pioneiro Jorge Vianna Monteiro, professor de Economia da PUC-RJ lançou três livros interessantes sobre o tema nos anos recentes, sempre aplicando os conceitos de Escolha Pública à realidade brasileira. O manual introdutório de William Michell e Randy Simmons - talvez um dos mais críticos do governo na literatura - foi lançado em 2003 e, neste ano, temos mais um pequeno livro de Tullock, Seldon e Brady, lançado pelo Instituto Liberal do Rio de Janeiro.

A Escolha Pública preenche um espaço teórico importante da Ciência Econômica e surgiu da necessidade de se entender as consequências nem sempre intencionais e nem sempre benéficas que a mão visível do Estado provoca ao tentar alterar as ações da mão invisível do mercado. A percepção de que nem sempre as políticas públicas corrigem as falhas de mercado, senão piorando-as, é a essência dos estudos de Escolha Pública.

E a MP 232? A MP 232 mostra como a Escolha Pública prevê bem alguns comportamentos dos atores políticos. Vejamos alguns itens.

Primeiro, a MP232 ilustra como políticas governamentais podem ser propostas sem qualquer vinculação com os interesses dos eleitores. A maneira pela qual o aumento da carga sobre prestadores de serviços foi feita surpreendeu o próprio Congresso, que esperava uma MP que tratasse apenas da revisão das faixas de imposto de renda (IR). Como prevê a Escolha Pública, políticos buscam apresentar políticas em formato de pacotes e com discursos preferencialmente emotivos e genéricos (o "interesse social", "interesse nacional", etc). Bom exemplo disto são as faixas de IR e aumento de cargas para prestadores de serviços (dentre outros) numa única medida provisória. A arrecadação? Bem, ela serve ao "interessse nacional" de se obter o superávit primário...

Segundo, políticos e burocratas sabem que eleitores brasileiros possuem noção pouco clara de quanto pagam de impostos, contribuições, etc (vamos chamá-los a todos de tributos, para efeitos didáticos). Em Escolha Pública isso se chama complexidade tributária. Esta complexidade dificulta a percepção de quanto se paga, efetivamente, ao governo, em troca de seus serviços. E, mais ainda, quanto maior a base tributária, menos cada um precisa contribuir para um determinado nível de receita tributária, o que só dilui a percepção citada. Isto diminui o custo de se propor uma MP como a 232.

Terceiro, e em conexão com o último item, a desinformação dos cidadãos é a base para que políticos exerçam sua miopia entre as distintas consequências de políticas públicas no curto e no longo prazos. Como isto ocorre? Em democracias, políticos sobrevive sob duas dimensões: sua base eleitoral e seu mandato. Se é impopular cortar gastos, um déficit zerado só será obtido sob aumento de impostos e/ou endividamento. Em termos de mandato, no Brasil, temos quatro anos. Um deputado como o deste exemplo, mesmo sabendo que no longo prazo um aumento de alíquota de imposto pode colocar a economia numa trajetória explosiva, caracterizada por uma crescente evasão fiscal, prefere aumentar a alíquota pensando apenas no curto prazo, digamos, de dois anos (próximos a um ano eleitoral). Isto explica porque políticas ineficientes podem, sim, ganhar corpo e serem aprovadas democraticamente.

Quarto, burocratas nem sempre são altruístas. Eles buscam obter o maior orçamento possível para suas agências, secretarias, etc, dado que os custos sejam cobertos pelas receitas. Em resumo: mesmo orçamentos do tipo "déficit zero" podem ser ineficientes economicamente. Istor porque o tamanho do orçamento não segue a lógica econômica, mas sim a política. Logo, pode-se ter um Estado gigantesco, mas totalmente financiado com, digamos, 100% da renda privada. Obviamente, há casos menos radicais. As queixas dos burocratas quanto à perda de receitas que alterações sobre a MP232 acarretariam ao governo ilustram este ponto.

Quinto, a diluição do aumento de impostos sobre um genérico "prestador de serviços" mostra que o governo age conforme descreve a Escolha Pública. Sabe-se que existem diversas categorias profissionais sob este rótulo. Logo, a capacidade de organização de todos estes contribuintes é muito difícil. Existem custos de se reunir, organizar e manter compromissos com tantos atores envolvidos. São os chamados custos de transação políticos. Daí a surpresa do governo com a reação maciça de todos os "prestadores".

O que o governo não percebeu - e daí a surpresa - é que indivíduos reagem às políticas. Embora os cinco pontos acima sejam corretos, eles não são verdades absolutas. A concorrência natural de uma democracia pode dotar os eleitores de meios mais baratos para acesso a informações que lhe esclareçam os conteúdos de projetos de leis ou de MPs que lhes são danosas. Daí a necessidade de que ONGs ou outros órgãos - como a imprensa - não sejam atrelados a conselhos governamentais de tom autoritário ou à censura pura e simples. Em um país no qual cidadãos temem pela livre expressão de suas idéias ou no qual o governo busca controlar as informações não é um país com ambiente institucional adequado ao desenvolvimento econômico.

Enfim, se você nunca leu sobre Escolha Pública, eis aí seis motivos para começar a se inteirar sobre o assunto. Divirta-se!

Tuesday, March 15, 2005

O Teorema do Eleitor Mediano é importante demais para ser deixado nas mãos dos políticos

Teorema do Eleitor Mediano, quando sem ética...

É fácil explicar a posição política transsexual do governo: ora defendendo o mercado, ora atacando-o com virulência. Basta pensar no bom e velho lema de Hotelling aplicado à política. Em resumo, se você é um político racional (racional no sentido neoclássico...que todos meus professores petistas negavam como sendo um construto burguês...), e quer ganhar eleição, maximizará as chances se estiver no "meio".

O que isto quer dizer? Pense em "meio" como a metade de uma dimensão de política, digamos, um assunto qualquer (ou mesmo uma média de opiniões, num abstrato conceito que vá da "direita" à "esquerda"). A maior chance de aglutinar mais eleitores ao seu lado é se mostrar no meio.

Agora, o que Reinaldo Azevedo diz neste artigo é que a mentalidade de "engenharia social" (que Hayek já havia ensinado: baseado em falso individualismo) leva a estas alianças bizarras como a do PT e as FARC. Em outras palavras, como diria o grande Jarbas Passarinho: às favas com a ética. Ou com a legalidade.

Quer dizer, trata-se de perverter o teorema do eleitor mediano aplicando-o a qualquer dimensão política, sem distinção entre grupos terroristas ou fabricantes de pizza. Parece loucura, mas não é quando se lê Lenin, Marx ou Stalin e a história das oportunistas alianças que socialistas fizeram ao longo de sua trajetória que foi hegermônica até 1989, quando o muro da ilha da fantasia caiu.

Enfim, um bom artigo este do Reinaldo. A bola da ética na política foi levantada por este mesmo povo que hoje procura não falar mais disto, tentando jogar a culpa na herança maldita de algum antecessor o que, maliciosamente, sugere que uma ditadura de esquerda seria supimpa...
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